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Conhecimento Hoje

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Quando Lisboa foi o refúgio de espiões na Segunda Guerra Mundial

Durante a Segunda Guerra Mundial, Lisboa desempenhou um papel fascinante e pouco conhecido como ponto central na intrincada teia de espionagem que envolveu as grandes potências em conflito. Entre 1939 e 1945, Portugal manteve-se oficialmente neutro, uma posição estrategicamente vantajosa que transformou a sua capital num refúgio de espiões, refugiados e oportunistas de todas as origens. A cidade tornou-se um palco onde se cruzavam agentes britânicos, alemães, americanos e de outras nacionalidades, num jogo de intriga que contribuiu para moldar o curso da guerra.

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A neutralidade portuguesa foi um dos fatores que fizeram de Lisboa um porto seguro. Enquanto a Europa estava mergulhada no caos, Portugal, sob o regime de Salazar, conseguiu evitar o envolvimento direto no conflito, mantendo relações diplomáticas com ambos os lados. Lisboa era uma das poucas cidades na Europa onde aliados e membros do Eixo podiam coexistir – ainda que discretamente – num ambiente relativamente pacífico. Essa peculiaridade atraiu uma mistura heterogénea de personagens, desde refugiados judeus em fuga ao Holocausto até magnatas, artistas e, claro, espiões.

Os agentes secretos aproveitavam a localização geográfica de Portugal, com o seu extenso litoral atlântico, para facilitar a comunicação e a movimentação de informações e pessoas. Lisboa tornou-se um ponto de trânsito crucial para diplomatas e mensageiros, com as suas ligações marítimas e aéreas para os Estados Unidos, Reino Unido e outros países aliados. Os cafés, hotéis e bares da cidade eram frequentemente utilizados como locais de encontros clandestinos e trocas de informações. Locais como o Hotel Aviz e o Café Martinho da Arcada ganharam fama por acolherem figuras ilustres e suspeitas, que se misturavam à população local numa atmosfera de mistério.

Um dos episódios mais emblemáticos dessa época foi o caso de "Garbo", o nome de código de Juan Pujol García, um agente duplo que conseguiu enganar os nazis com informações falsas, contribuindo para o sucesso do Dia D. Embora não operasse diretamente de Lisboa, a rede de contactos que mantinha passava pela cidade, um reflexo da importância de Portugal no circuito de espionagem. Por outro lado, os serviços secretos alemães também estavam ativos em Lisboa, utilizando agentes infiltrados e simpatizantes locais para monitorizar as operações aliadas e tentar influenciar o governo português.

Lisboa não era apenas um ponto de encontro para espiões. Era também um dos últimos redutos de esperança para milhares de refugiados que procuravam escapar da guerra. A cidade serviu de porta de entrada para o continente americano, com a ajuda de diplomatas como Aristides de Sousa Mendes, o cônsul português em Bordéus que emitiu milhares de vistos a judeus e outros perseguidos pelos nazis, desafiando as ordens do regime de Salazar. A presença de tantos refugiados criou um ambiente único em Lisboa, onde histórias de desespero e resiliência se cruzavam com as tramas da espionagem.

Embora o envolvimento de Portugal na guerra tenha sido discreto, a posição estratégica de Lisboa e a sua neutralidade tornaram a cidade um elemento crucial nos bastidores do conflito. A capital portuguesa foi palco de alianças secretas, traições e operações que tiveram repercussões globais. Lisboa durante a Segunda Guerra Mundial não era apenas uma cidade tranquila à margem do conflito; era, na verdade, uma encruzilhada onde se decidiam os destinos de muitas vidas e onde a história foi escrita, muitas vezes em silêncio e nas sombras.