A primeira Constituição portuguesa: um marco de liberdade que não durou muito
A primeira Constituição portuguesa, aprovada em 1822, foi um marco histórico que trouxe consigo promessas de liberdade e modernidade para o país. No entanto, o contexto político, social e económico da época, aliado às tensões internas e externas, fez com que este documento não tivesse a longevidade esperada. A sua breve vigência tornou-a um símbolo de luta pelos ideais liberais, num período em que Portugal enfrentava profundas mudanças e divisões.
O início do século XIX foi marcado por um conjunto de eventos que desestabilizaram o reino. As invasões napoleónicas, a transferência da corte para o Brasil em 1808 e as consequências do Congresso de Viena alteraram a dinâmica do poder. O regresso de D. João VI a Portugal em 1821, após a independência do Brasil, encontrou um país ansioso por mudanças. A Revolução Liberal do Porto, em 1820, foi o catalisador para a criação da primeira Constituição, exigida pelas forças liberais que pretendiam limitar o poder absoluto do rei e implementar um governo baseado na separação de poderes e na soberania popular.
A Constituição de 1822 foi profundamente influenciada pelos ideais iluministas e pela Revolução Francesa. Estabelecia a igualdade perante a lei, a liberdade de expressão e de imprensa, e a garantia de direitos fundamentais. Introduzia também o princípio da soberania nacional, afirmando que o poder emana do povo, representado por uma Assembleia Nacional eleita. A divisão tripartida do poder – legislativo, executivo e judicial – foi um dos seus pilares, marcando uma ruptura com o absolutismo que dominara Portugal durante séculos.
Contudo, a sua implementação encontrou forte resistência. O clero, a nobreza e os setores mais conservadores da sociedade viam-na como uma ameaça à ordem estabelecida e aos seus privilégios. No Brasil, a Constituição foi recebida com desconfiança, já que muitos temiam que ela representasse uma tentativa de reverter os avanços conquistados pela independência. Além disso, a instabilidade económica e as rivalidades internas criaram um ambiente propício a conspirações contra o novo regime.
D. João VI, embora tenha jurado respeitar a Constituição, manteve uma postura ambígua, tentando equilibrar as exigências dos liberais e dos absolutistas. No entanto, após a sua morte, em 1826, as divisões tornaram-se ainda mais evidentes. O regresso de D. Miguel a Portugal, em 1828, marcou o fim da breve experiência constitucional. Apoiado pelos absolutistas, D. Miguel instaurou um regime absolutista, anulando os avanços feitos pela Constituição de 1822 e dando início a um período de repressão e perseguição aos liberais.
Apesar de curta, a primeira Constituição portuguesa deixou um legado importante. Representou a primeira tentativa de modernização política do país, estabelecendo um modelo que inspiraria constituições futuras. Foi também o ponto de partida para um longo conflito entre liberais e absolutistas, que culminaria nas guerras liberais de 1828-1834 e na consolidação do regime constitucional em Portugal.
Hoje, a Constituição de 1822 é recordada como um marco na luta pela liberdade e pelos direitos individuais em Portugal. Embora não tenha resistido aos desafios da época, abriu caminho para a construção de uma sociedade mais democrática e moderna, cujos ideais continuam a ressoar na história política portuguesa.