D. João VI, o rei que governou Portugal durante um dos períodos mais turbulentos da sua história, foi uma figura fascinante, cheia de excentricidades que ainda hoje alimentam o imaginário popular. Embora a sua imagem esteja muitas vezes ligada à seriedade e ao peso das decisões políticas, a sua vida na corte foi marcada por comportamentos e escolhas que nem sempre se alinham com a ideia tradicional de realeza. D. João VI, mais conhecido como o monarca que fugiu para o Brasil, foi também um homem de gostos peculiares, hábitos inusitados e algumas atitudes que, na altura, eram consideradas um tanto ou quanto excêntricas.
A sua estadia no Brasil, que durou de 1808 até 1821, foi sem dúvida o momento em que as suas excentricidades mais se destacaram. A corte portuguesa, transplantada para o Rio de Janeiro devido às invasões napoleónicas, viveu um autêntico "fim do mundo", com o rei a assumir um papel de liderança pouco habitual para a época. Mas, para além das decisões políticas e da gestão do Império, D. João VI mostrou-se um homem de muitos gostos invulgares. Entre as suas curiosidades estava a sua paixão por coisas simples, como a jardinagem e a arte, algo que contrastava com o seu estatuto de monarca absoluto. Era conhecido por se perder durante horas a cultivar o seu jardim no Paço Real de São Cristóvão, no Rio de Janeiro, onde se rodeava de plantas e flores trazidas de várias partes do mundo.
No campo das artes, D. João VI tinha uma grande admiração pela pintura e pelas ciências naturais, e tinha um interesse genuíno em promover a cultura. Durante o seu reinado, a corte brasileira tornou-se um verdadeiro centro de difusão de conhecimento, com a criação de instituições como a Biblioteca Nacional e o Museu Nacional, cujas colecções ainda hoje são referência. No entanto, os seus hábitos diários nem sempre se coadunavam com a imagem de um soberano focado em elevar o seu reino. D. João VI tinha uma rotina marcada pela grande quantidade de tempo que passava em simples divertimentos, como o gosto por jogar cartas, um passatempo que, para ele, servia de válvula de escape para as pressões do trono.
Uma das suas peculiaridades mais famosas era a sua aversão a tomar decisões rápidas. Famoso por ser indeciso, D. João VI preferia passar horas a ponderar sobre as questões, às vezes até nas situações mais urgentes. Um dos episódios mais célebres desse comportamento foi durante a crise que levou à sua fuga para o Brasil. Quando a ameaça de invasão napoleónica se aproximava, o rei demorou tanto tempo a tomar uma decisão sobre a mudança da corte para o Brasil que, ao fim de meses de preparação, a decisão foi tomada de forma repentina, mas já tarde demais. D. João VI nunca conseguiu lidar com as pressões que a sua posição exigia, e este carácter mais reflexivo contrastava com a urgência do momento histórico.
Mas se há algo que realmente tornou D. João VI uma figura à parte foi a sua relação com os membros da sua família. A sua relação com a esposa, D. Carlota Joaquina, foi um misto de amor e desavenças, com os dois constantemente envolvidos em disputas políticas e pessoais. A rainha, que se destacava pela sua ambição e personalidade forte, não tinha uma relação muito próxima com o marido, o que deu origem a algumas das intrigas mais coloridas da corte. A sua indiferença pelo seu reino e pela política portuguesa era por vezes vista como uma excentricidade em si, com D. João VI mais preocupado em manter a harmonia dentro da sua família do que em governar os destinos do seu povo.
D. João VI também era conhecido pelas suas peculiaridades alimentares. A sua dieta era, no mínimo, peculiar, com relatos de que o monarca tinha uma forte preferência por pratos simples e, por vezes, até pouco apetitosos para os padrões da alta nobreza. A sua alimentação baseava-se em sopas e ensopados, pratos simples que contrastavam com a pompa e o requinte das refeições da corte. Mesmo as festividades e os grandes banquetes na sua corte tinham um toque de sobriedade que não era típico de outras monarquias da época.
No final, D. João VI ficou para a história não apenas como o rei que viu o Brasil tornar-se um império independente, mas também como uma personalidade que desafiou as normas da realeza, fazendo da sua corte um palco onde o inusitado e o inesperado se cruzavam. As suas excentricidades, que por vezes eram vistas como fraquezas, acabam por revelar uma faceta humana do monarca, tornando-o uma figura ainda mais intrigante e única na história de Portugal.
Oficialmente, a história sustenta que o Brasil foi "descoberto" por Pedro Álvares Cabral em 1500, devido a um acidente de navegação enquanto uma frota navegava para a Índia. Contudo, muitos historiadores e investigadores têm vindo a questionar a teoria do "acaso", argumentando que a Coroa Portuguesa já conhecia a existência do território muito antes desse evento. Esta teoria, embora não confirmada, baseia-se em documentos, relatos e nas circunstâncias políticas e económicas da época.
No final do século XV, Portugal era uma potência marítima global, controlando rotas comerciais e possuindo um vasto conhecimento de cartografia e navegação. Estas capacidades foram amplamente desenvolvidas graças à Escola de Sagres, criada pelo Infante D. Henrique, e aos avanços nos instrumentos de navegação, como o astrolábio e a caravela. Com base nesta realidade, parece improvável que uma extensão territorial tão vasta como o Brasil pudesse ter passado despercebida durante décadas de exploração atlântica.
Alguns sinais suportam esta hipótese. O mapa de Juan de la Cosa, de 1500, e indícios em textos europeus sugerem que partes da América do Sul eram conhecidas antes da chegada oficial de Cabral. Existem também relatos de expedições secretas realizadas sob ordens da Coroa Portuguesa, conhecidas como "viagens sigilosas", com o objetivo de explorar territórios sem partilhar descobertas com outras potências. Estas viagens podem ter identificado o Brasil antes de 1500. Além disso, exploradores como Duarte Pacheco Pereira, que terá mapeado a costa brasileira anos antes de Cabral, reforçam a ideia de que o território já era conhecido, embora as suas expedições tenham sido mantidas em segredo.
Cabral não teria "descoberto" o Brasil, mas sim oficializado algo que a Coroa já sabia e preferia manter oculto por conveniência política. Este secretismo teria sido uma estratégia para proteger os interesses portugueses, consolidar o controlo territorial e cumprir os acordos do Tratado de Tordesilhas de 1494. Alegar um "desvio acidental" seria, assim, uma forma de evitar expor a complexa geopolítica por detrás da expansão marítima portuguesa.
Não existem provas definitivas para estas teorias, mas elas lançam luz sobre a sofisticação das explorações portuguesas, desafiando a narrativa tradicional. O "segredo" de Cabral pode não ser uma questão de acaso, mas sim uma estratégia deliberada para formalizar a descoberta de um território já conhecido.
A história de Portugal é rica em episódios fascinantes, mas poucos personagens são tão intrigantes quanto Gabriel Malagrida, um jesuíta italiano que se tornou figura central numa das épocas mais turbulentas do país. Entre o fervor religioso e os jogos de poder, Malagrida destacou-se pela sua eloquência, fervor missionário e, posteriormente, pelo papel controverso que desempenhou na oposição ao regime do Marquês de Pombal. A sua trajetória, repleta de altos e baixos, culminou num fim trágico que o transformou numa figura icónica da relação entre fé e política.
Nascido na Lombardia, em 1689, Gabriel Malagrida entrou na Companhia de Jesus ainda jovem, onde se destacou pela dedicação à doutrina cristã e pelas suas capacidades de persuasão e oratória. Reconhecido pelo seu carisma, foi enviado como missionário ao Brasil, uma colónia portuguesa na época. Durante décadas, Malagrida dedicou-se à conversão de populações indígenas, ganhando notoriedade pelo seu trabalho árduo e pela defesa de uma fé intransigente. No entanto, o retorno a Portugal nos anos 1750 marcou o início de uma nova fase da sua vida, marcada por conflitos e controvérsias.
A Lisboa que Malagrida encontrou era uma cidade em crise. O terramoto de 1755, que destruiu grande parte da capital, deixou marcas profundas na sociedade portuguesa, tanto no plano físico como no espiritual. Para muitos, incluindo Malagrida, o desastre foi interpretado como um castigo divino, uma consequência da corrupção moral e do afastamento de Deus. Esta visão colidia diretamente com a abordagem do Marquês de Pombal, que liderava as reformas para modernizar o país e que via na ciência e na reconstrução material as respostas para a tragédia.
Malagrida rapidamente tornou-se um crítico feroz do governo pombalino. Nos seus sermões e escritos, acusava o Marquês de desviar Portugal do caminho espiritual, pintando-o como um agente de forças seculares que ameaçavam a alma do reino. A tensão entre os dois foi crescendo até culminar na tragédia. Em 1758, Malagrida foi acusado de envolvimento no atentado contra o rei D. José I, uma acusação controversa que muitos acreditam ter sido fabricada para eliminar um opositor incómodo.
Preso e submetido a julgamento, Malagrida foi declarado culpado, não apenas pela sua suposta participação na conspiração, mas também por heresia. Em 1761, foi executado na fogueira, tornando-se uma das últimas vítimas da Inquisição em Portugal. O seu fim trágico marcou o ponto culminante de um confronto entre tradição e modernidade, fé e razão, Igreja e Estado.
A história de Gabriel Malagrida é mais do que um episódio isolado na história portuguesa. Ela reflete a complexidade de um período de transição, onde ideias antigas e novas chocavam violentamente. Malagrida, com as suas convicções inabaláveis, tornou-se um símbolo das tensões que definiram o século XVIII em Portugal. Apesar das controvérsias, a sua figura permanece como um lembrete poderoso de como a fé e a política podem moldar os destinos de indivíduos e nações.